quarta-feira, 14 de setembro de 2011

O mito da empresa familiar


O mito da empresa familiar foi construído ao longo da história sobre uma infinidade de sucessos e fracassos de milhares de empresas em todos os países do mundo. Uma casta de empreendedores e, respectivamente, seus sucessores, foi capaz de perpetuar os negócios por várias gerações pelo fato de ter atribuído ao negócio um sentido mais amplo do que as emoções afloradas no seio da família e da empresa familiar. Eles acreditaram fortemente em sua missão de vida e em sua própria capacidade de realização. Isso foi além dos fortes laços pessoais com a organização inicialmente concebida por eles.

Durante muito tempo, o fundador foi associado ao patriarca enérgico, de pulso firme, centralizador, dono da razão e ao mesmo tempo o “paizão” que tinha a palavra final, cujo papel era determinante nas decisões e no rumo que a empresa deveria tomar em situações adversas. Embora a característica seja latente nas empresas familiares, a administração moderna tem feito esforços para reduzir as estatísticas das empresas onde o fundador ainda vive o papel do “todo poderoso” na empresa.

De acordo com John Davis, professor de Harvard, os líderes das empresas familiares “são todos superprotetores em relação ao patrimônio construído e críticos quanto às habilidades e à lealdade alheias. Tendem a enfatizar a lealdade em seus relacionamentos e a controlar os outros em excesso”. Entretanto, nunca admitem esse fato e se julgam acima de tudo isso.

O mito é tão antigo quanto a própria família e sua importância é a mesma desde o princípio da humanidade, pois nada existe de mais primário do que a confluência entre família e trabalho. As primeiras empresas eram familiares e nasceram da necessidade de fixação na terra e sobrevivência, da organização das sociedades primitivas, da característica nômade dos homens e mulheres que buscavam em cada pedaço chão constituir família e trabalho para a subsistência, da permuta do excedente da produção dos senhores feudais e dos atravessadores que viam no excedente da produção uma possibilidade de ganho.

Empresas familiares estão sempre envolvidas em questões emocionais e afetivas e os membros geralmente não têm interesse, vocação ou ainda formação necessária para administrar o empreendimento, porém é a família que detém a propriedade do capital, o que a torna responsável pelas decisões que envolvem o comando dos negócios de forma direta ou de forma delegada a outros membros de sua inteira confiança, quase sempre parentes ou amigos mais próximos.

Em pleno Século 21, a maioria dos fundadores não sabe como preparar os filhos para a sucessão. Esquecem o fato de que a herança deixada para eles será uma sociedade familiar, composta por irmãos, primos, genros, noras e outros parentes indiretos, os quais, inconscientemente, são agregados ao negócio na medida em que empresa cresce, com um cargo figurativo, bem remunerado, quase vitalício já que na empresa familiar é mais difícil demitir filhos e parentes.

Apesar de óbvio, empresa familiar não é família. Poucos herdeiros e sucessores têm consciência disso. Diversas empresas familiares com as quais tive a oportunidade de conviver durante a minha experiência como consultor esforça-se para ser diferente perante o público, porém esbarra naquilo que John P. Kotter denomina de “As Fontes de Complacência”, onde nem tudo é permitido, mas acaba tolerado e encobre níveis altíssimos de incompetência e desmandos de qualquer natureza. De fato, quando acordam para a realidade da empresa, a recuperação é praticamente impossível.

O fato de o fundador ter estimulado os filhos a acompanharem os negócios desde a infância não os transforma em potenciais empreendedores nem administradores. Naturalmente, os filhos têm habilidades que podem ser herdadas, mas são pessoas diferentes, com objetivos, desejos, aptidões e, em muitos casos, universos completamente diferentes. Dessa forma, os conflitos são inevitáveis e quando estes afloram na organização, instala-se um processo destrutivo irreversível que tende a dilapidar o patrimônio de todos e a provocar feridas que não se curam durante uma vida inteira, sem contar ainda o desestímulo aos profissionais que não são da família e, apesar da dedicação, acabam frustrados por não poder competir com membros do clã e ocupar cargos de maior importância.

A partir da entrada do conflito no cenário organizacional, o bom-senso é atropelado pelo jogo de poder e interesse que envolve os membros da empresa familiar. Muitas acabam sendo negociadas por um valor muito inferior ao seu valor de mercado, pois os membros não se entendem quanto ao preço e ao percentual de cada um. Existe sempre a ilusão de que podem ganhar mais para a tentativa de um recomeço mais adiante. Em certos casos, o orgulho “quebra” a empresa porque ninguém quer “dar o braço a torcer”.

Ao final do conflito, o que sobra é muito pouco, quando sobra alguma coisa. Os laços familiares se tornam cheios de mágoa e o sobrenome da família que até então era capaz de abrir portas transforma-se em num fardo difícil de ser carregado. Os membros da família se distanciam levando consigo ressentimentos dignos de reflexão e desencantamento até o fim da vida, quando a natureza se encarrega de por fim ao que não pode ser resolvido com base no diálogo e no bom-senso.

Um dos maiores erros que alimentam o estigma da empresa familiar é manter pessoas inadequadas para ocupar cargos importantes na organização. Isso traz conseqüências irreversíveis, portanto, o segredo é profissionalizar a empresa com membros preparados ou, prioritariamente, do mercado. É necessário discutir abertamente com os herdeiros essa possibilidade sob pena de ter os sonhos e aspirações interrompidos abruptamente. Para o Professor Elismar Álvarez da Silva Campos, da Fundação do Dom Cabral, os principais problemas enfrentados pelas empresas familiares são:

    Conflito entre as necessidades de dinheiro da família e as da empresa;
    Desenvolvimento e profissionalização dos acionistas;
    Incapacidade do líder da empresa e da família de sair na hora certa;
    Dificuldade de obter capital para crescer sem diluir a participação das famílias proprietárias;
    Rivalidade entre os sucessores: primos, irmãos, genros etc.
    Incapacidade de atrair e reter sucessores da família competentes e motivados;
    Falta de habilidade para criar congruência cultural apropriada;
    Necessidade de transferir patrimônio de uma geração para outra.

Empresas familiares que desejam se perpetuar precisam ter em seus quadros profissionais arrojados e empreendedores. Muitas famílias não sabem como enfrentar a sucessão nas empresas. Outras carregam dúvidas se desejam manter a característica familiar ou não, portanto, cabe aos fundadores e ao conselho de família demonstrar aos filhos que a sobrevivência da empresa é a prioridade maior, para o bem de todos. Ela vem muito antes do orgulho, dos interesses pessoais e do dinheiro.

As empresas nascem, originalmente, no âmbito familiar e resultam do desejo dos filhos de livrar-se das “asas do pai e da mãe” para construir algo diferente, por iniciativa própria, consciente de todos os riscos que o negócio pode proporcionar. Quando o empreendimento toma proporções gigantescas, a empresa torna-se um organismo vivo, com vontades próprias e seu destino não depende mais do criador.

Infelizmente, milhares de empresas familiares desaparecem todos os anos, por razões muito simples como excesso de orgulho, falta de humildade para buscar ajuda e insistência equivocada do fundador em acreditar que um dia, “se Deus quiser”, as coisas vão melhorar.

Contrário à sua vontade, chegará o dia em que o próprio fundador não será mais o dono da empresa. Os verdadeiros donos serão o resultado, o fluxo de caixa e a ambição dos filhos e agregados. E assim sendo, se a empresa for gerida de forma irresponsável será irremediavelmente punida com a falência. Quando isso acontece, não há unidade familiar que resista e dificilmente alguém assume a culpa, pois aquele velho orgulho não deixa.

Pense nisso e seja feliz!

Autor: Jerônimo Mendes

Publicado em: 30/08/2011, no site: www.qualidadebrasil.com.br

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