segunda-feira, 30 de maio de 2011

A Qualidade e Suas Múltiplas Perspectivas

 


Por várias vezes ouvi pessoas comentando sobre um produto ou serviço e emitindo opiniões totalmente contrárias. Enquanto uma delas elogiava e recomendava o produto ou serviço, a outra afirmava que aquele produto ou serviço “não tinha qualidade”. Essa confusão em torno do significado do termo “qualidade” também ocorre no ambiente corporativo, e até dentro da mesma empresa. A perfeita compreensão do termo é imprescindível para que a qualidade seja utilizada de forma estratégica.

Quatro áreas do conhecimento – Filosofia, Economia, Marketing e Gerência de Operações – estudam o tema, porém cada uma delas enxerga a qualidade sob um ângulo diferente. A Filosofia se concentra nas questões de definição; a Economia, na maximação dos lucros e nas questões de mercado; o Marketing, naquilo que determina o comportamento do consumidor, do cliente e na satisfação de ambos; e a Gerência de Operações, nas atividades operacionais e no controle destas. Para entendermos o que é qualidade devemos considerar as cinco abordagens que procuram explicar esse termo: a “transcendente”, a “baseada no produto”, a “baseada no usuário”, a “baseada na produção”, e a “baseada no valor”.

Quando alguém assume que não sabe dizer o significado da qualidade, mas que reconhece quando ela está presente, inconscientemente, tal pessoa está “entendendo” a qualidade de acordo com a abordagem “transcendente”. Segundo essa abordagem, a qualidade é um estado de “excelência inata” que pode ser reconhecida universalmente. Dotada de grande subjetividade, esta abordagem assume que a qualidade tem algo de eterno, estando acima de modismos, estilos e mudanças de gosto, não podendo, assim, ser analisada e nem definida; contudo, podendo ser reconhecida pela experiência. É, portanto, uma visão com pouco direcionamento prático.

Imaginemos agora um fabricante de computadores, por exemplo, propagando que seu produto é de excelente qualidade por apresentar uma série de atributos, como: memória RAM de 4 GB, HD de 360 GB, câmera de 1,3 Mega Pixels, dispositivo Wireless, Bluetooth etc. Este fabricante estaria definindo a qualidade do seu computador com base numa abordagem “baseada no produto”. Essa visão é objetiva e defende que a qualidade é definida precisamente pelas diferenças na quantidade de atributos de um produto. Por essa visão, um outro computador que não tivesse dispositivo Wireless, ou que tivesse um HD de 160 GB, por exemplo, teria uma qualidade inferior ao primeiro. Tal visão empresta à qualidade uma dimensão vertical ou hierárquica, pois o grau de qualidade será definido pela quantidade de atributos desejados existentes no produto. Dessa abordagem, advêm duas deduções: a primeira, é que uma melhor qualidade só será possível com um custo maior, visto que a colocação de uma quantidade maior de atributos implicará maiores custos na produção. A segunda, é que a qualidade está diretamente associada à existência, ou não, de atributos mensuráveis no produto, sendo avaliada objetivamente. Para identificarmos as limitações dessa visão, voltemos ao nosso exemplo do fabricante de computadores. Dificilmente as pessoas que desejam comprar um computador classificarão os atributos desse produto com a mesma ordem de importância. Isso representa uma significativa limitação dessa abordagem “baseada no produto”, pois não considera as diferenças de gosto.

Partindo agora de uma situação na qual o fabricante de computadores do nosso exemplo fizesse uma pesquisa de mercado para descobrir os desejos, necessidades e preferências dos consumidores e desenvolvesse computadores com configurações diferentes (atributos) conforme as características de consumo daqueles, estaríamos diante de uma abordagem de qualidade “baseada no usuário”. Com base nessa abordagem, admite-se que um produto é de melhor qualidade quando proporciona um melhor atendimento das preferências do consumidor, considerando seus desejos e necessidades. Essa abordagem subjetiva desencadeou visões e conceitos interessantes nas literaturas de Marketing, de Economia, e de Administração de Operações. O Marketing buscou os chamados “pontos ideais”, que representavam a exata combinação dos atributos do produto para proporcionar a máxima satisfação a um determinado consumidor. A Economia  enxergava diferenças na qualidade através dos deslocamentos da curva de demanda de um produto, ou seja, se um produto tivesse uma demanda maior, então ele seria de melhor qualidade. Já a literatura da Administração de Operações afirmava que um produto seria de melhor qualidade à medida que ele fosse adequado ao uso. Esses conceitos levam a questionamentos que ressaltam, por exemplo, a dificuldade em se reunir preferências individuais – extremamente variáveis – em um produto, de forma a proporcionar um reconhecimento da qualidade em dimensões de mercado. Um outro questionamento considera a dificuldade em diferenciar os atributos do produto que sinalizam a qualidade, daqueles que maximizam a satisfação do consumidor. E esses questionamentos manifestam uma limitação crucial desta abordagem: igualar qualidade a satisfação máxima, apoiada em preferências por um produto. Cabe aqui uma reflexão de um exemplo real: atualmente é crescente a demanda por CD’s e DVD’s “piratas”. Será que essa preferência dos consumidores pode ser traduzida em qualidade superior desses produtos em relação aos produtos originais?

Uma outra abordagem da qualidade é a “baseada na produção”. Enquanto a visão “baseada no usuário” fundamenta suas definições de qualidade nas preferências do consumidor – lado da procura ou demanda -, a visão “baseada na produção” se preocupa com o lado da oferta, isto é, com as atividades para a fabricação do produto. De acordo com essa visão, o termo “qualidade” está estritamete relacionado com a conformidade às especificações, ou seja, uma vez definidas, se o produto obedecer as especificações do projeto, então ele será de excelente qualidade. Por essa visão, os computadores do nosso exemplo serão sempre  produtos de alta qualidade seja lá quais forem seus atributos e configurações, desde que estejam de acordo com as especificações do projeto. Como limitações dessa abordagem podemos citar seu enfoque interno (engenharia e produção), deixando de considerar a associação que o consumidor faz entre qualidade e características do produto (atributos), além das especificações.

Por último, temos a abordagem da qualidade “baseada no valor”, que define a qualidade com base em custos e preços. Segundo esta visão, um produto será de qualidade quando proporcionar conformidade e desempenho excelentes a um “preço aceitável”. É, portanto, uma visão de difícil aplicação prática, altamente subjetiva, pois normalmente, para se melhorar o desempenho de um produto investe-se em P[_e_]D, em melhores recursos materiais, enfim, na agregação de atributos que terão um custo maior para a empresa, que consequentemente será refletido num produto com preço superior. Com base nessa visão, uma Ferrari, por exemplo, não poderia ser um produto de qualidade pois o seu preço seria inacessível para a maioria das pessoas e, portanto, inaceitável.

Essas abordagens conflitantes acerca da qualidade coexistem no ambiente empresarial e dão origem a implicações importantes. Geralmente o departamento de Marketing adota uma abordagem “baseada no usuário” ou “no produto”, privilegiando o desempenho, as características e o aperfeiçoamento do produto, além de se preocupar com a assistência pós-venda. Já o departamento de Engenharia normalmente segue uma orientação de qualidade “baseada no produto”, preocupando-se em transferir o desempenho e as características do produto para uma linguagem técnica: o projeto e suas especificações. O departamento de Produção, por sua vez, segue uma orientação segundo a qual ter qualidade é estar conforme as especificações, fazer certo da primeira vez, reduzir o retrabalho e os custos nele envolvidos.

Apesar de conflitantes, essa múltiplas abordagens da qualidade podem ser proveitosas para as empresas, já que os estudiosos afirmam que confiar numa única abordagem pode ser problemático. Daí a recomendação para que as empresas adotem orientações múltiplas da qualidade, migrando de uma orientação para outra à medida que o produto evolua da concepção do projeto para o mercado. Sugere-se, então, que seja adotada iniciamente uma abordagem da qualidade “baseada no usuário”, ocasião em que, através de pesquisas de mercado, seriam levantadas as características que conferirão qualidade ao produto. A seguir, poder-se-ia passar para uma orientação da qualidade “baseada no produto”, quando as características levantadas anteriormente seriam traduzidas para uma lingagem técnica (especificações do projeto). Em seguida, na etapa de fabricação do produto, propõe-se a utilização de uma abordagem da qualidade “baseada na produção”, de forma a garantir que as especificações do projeto fossem rigorosamente seguidas.

É, portanto, dessa compreensão do termo e da correta utilização das múltiplas abordagens da qualidade que surge a possibilidade efetiva de implantação da Gestão Estratégica da Qualidade na empresa.

Autor: Oséas Felício de Lima

Publicado em: 11/05/2011, no site: www.qualidadebrasil.com.br

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