terça-feira, 2 de março de 2010

Depoimento


High Tech X High Touch no ambiente hospitalar

O Paciente, o Facility e o Hospital na experiência do gestor Gessé Campos Camargo

Recentemente, tive que passar uns dias num grande e famoso hospital na cidade de São Paulo. Foi uma oportunidade impar para observar e sentir, na própria pele, como anda a prestação de serviços nesta atividade. Longe de mim generalizar, mas não duvido que isto possa estar ocorrendo em outras grandes "casas".

Uma conversa amiga e honesta pode valer mais do que um sonífero, um analgésico ou um "se necessitar de algo, é só me chamar!", propõe Gessé.

Observador privilegiado e paciente direto dos serviços, me pus a refletir, à luz de cada fato, sobre uma série de temas sobre os quais vimos avaliando no campo do Facility Management. Primeiramente, até para ser justo, o conjunto de recursos mobilizados no setor, sejam humanos, tecnológicos e operacionais é de alto padrão, qualidade visível e em abundância.

Havia momentos em que uma grande equipe de médicos, enfermeiras, auxiliares, limpadores, copeiros se atropelava nos corredores para atender cerca de 20 pacientes daquele piso, cena que eu observava, com conforto, pelo simples fato de ter de caminhar por todo o setor, como parte de meus exercícios pós-operatórios.Equipamentos sofisticados, sistemas de transporte e comunicação avançados, infra-estrutura de limpeza, copa e lazer inclusive, tudo isto no melhor nível de qualidade e eficácia.

Ao primeiro chamado, que nos cabia como pacientes fazê-lo, os técnicos acudiam seja para responder a uma necessidade específica no apartamento ou sobre serviços em geral na organização, para a limpeza, a saúde, o lazer. Material de reposição em abundância, especialmente agora na Era dos descartáveis em que não se permite a sua reutilização, faz com que uma das grandes tarefas do hospital e de seus operacionais é dar destino a uma grande quantidade de embalagens e materiais descartados.

A cada 30 minutos um técnico entrava no apartamento, seja para um controle do estado geral do paciente ou para a coleta de algum tipo de material para exames laboratoriais.Enfim, um cenário perfeito dentro de uma organização que quer ser perfeita para se manter entre as grandes casas de Saúde, na cidade de São Paulo.

Contudo, e sempre tem que haver a contrapartida, é fundamental avaliarmos o que, de fato, sobra como substrato de toda esta máquina de serviços e onde podem estar grandes riscos do negócio.Avaliados estes fatores todos, e o fiz com muito critério e justiça, observei uma série de falhas, desserviços, desperdícios, descuidos sobre o conjunto da obra.

Meu intuito aqui não é avaliar cada um em particular, mas identificar quais poderiam ser os motivos básicos, os denominadores comuns destas falhas. E é o que passo a trazer para nossa reflexão.Certa vez o presidente de uma grande multinacional disse que um dos principais desafios das grandes organizações é controlar o surgimento e a predominância das "ilhas" de incompetência e, sobre elas, vamos abordar as principais características e sua influência sobre o resultado final.

De cara, vale lembrar que esta generosa infra-estrutura tem um custo, e que não é baixo. Acalmem-se os que rapidamente apontem a relação direta entre custos e o poder aquisitivo de sua privilegiada clientela. Sabemos disso. Todavia, nossa análise visa a relação custo-benefício, portanto não estamos falando de qualidade, padrão de um lado e capacidade para pagar de outro.

Melhor redimensionada e reorientada, sem dúvida alguma, colheria um upgrading e otimização fantástica que, transferidos para o paciente, não só produziriam mais satisfação e atendimento, bem como um maior leque de serviços e com um valor menor. Estamos, portanto, observando o uso adequado de recursos em quantidade e qualidade como fator fundamental para o sucesso da operação.

No que tange aos profissionais, aqueles que considero acima da média do setor, certamente, lhes seria muito mais motivador se menos gente de melhor perfil e qualidade pudessem repartir um bolo maior de rendimentos.

Outro ponto que chamou demais minha atenção é a fórmula de distribuição do quadro de empregados, esta tal conhecida como "turnos". O número de profissionais que adentraram meu apartamento para me atender foi tão grande ao longo de sete dias que não consegui estabelecer qualquer relação com eles, com algumas raras exceções. Nem o nome foi possível guardar. É um giro fantástico de profissionais por período e dias, que nunca se sabe quando se verá novamente aquele técnico para seguir a conversa, o restabelecimento e criar algum tipo de envolvimento.

Regra geral, entrava alguém no apartamento, se apresentava e se colocava à disposição: "se precisar de algo é só chamar".Aqui está um dos pontos cruciais, críticos do modelo operacional, sobre o qual destaco alguns aspectos. O que mais um paciente hospitalar necessita, além de sua saúde, é sem sombra de dúvida de atenção. Paciente hospitalar é por natureza um ser estressado, pela saúde, pelos custos que sabe que serão altos, pelo desconforto, pela distância da família, dos amigos, do trabalho, do seu lazer, enfim, um ser por natureza carente.

Portanto, mais do que ter à disposição os recursos e serviços, o que se quer é carinho, é ser chamado pelo nome, um "dedo de prosa", além dos temas da saúde, das dores, se dormiu bem ou não, etc. É muito provável que uma conversa amiga, honesta, possa valer mais do que um sonífero, um analgésico ou um "se necessitar de algo, é só me chamar!".Falta o envolvimento dos profissionais com os pacientes, chamar pelo nome, saber algo mais do que os motivos que o trouxeram para o hospital. Isto é o que eu chamo de High Touch, ou seja, uma relação mais epidérmica com o paciente, sentir mais o seu eu e menos os sintomas de seu corpo.

Não custa lembrar vários "exercícios" que vimos no famoso filme com Robin Williams, Patch Adams. É uma máquina de serviços - "High Tech" - contracenando com um relacionamento humano dos profissionais com o paciente - "High Touch".Houve um momento em que o rodízio de profissionais era tanto que cheguei a planejar uma brincadeira com aqueles que vinham me avaliar ou colher algum material para exame, perguntando o que eles sabiam de mim, porque estava ali, como tinham sido minhas últimas noites, enfim, qual era a minha história. Não o fiz por absoluta certeza do resultado, sem esquecer o constrangimento a que os submeteria.

Ao final de minha estada, talvez até porque eu já havia feito alguns comentários do nível de serviço, fui visitado pela "gerente" do piso, ou seja, a profissional responsável por todos os serviços, técnicos e facilities. Tivemos uma longa entrevista, ou melhor, acho que fiz um sermão sobre como eu via a atividade e os resultados. Penso mesmo que foi naquele momento que comecei a escrever este artigo. Senti, nas reações, certo ar de "estamos trabalhando para isto, pois cremos que é importante", mas muito além disso tudo uma dificuldade até em conduzir uma entrevista sobre qualidade de atendimento.Não deixaria de citar o fato de que esta pessoa, como gerente geral do piso, viera me visitar ou entrevistar apenas no último momento de minha estada.

Deveria ter vindo no primeiro momento em que voltei do centro cirúrgico, me receber e me passar a segurança dos dias futuros naquele setor, o da recuperação. Isto é gerenciar uma operação, é estar à frente no tempo e espaço da atividade.Terminamos a entrevista, isto é, minha "palestra" para ela e me propus a registrar tudo o que havia dito e refletido até a minha grande surpresa quando ela me passou um formulário de avaliação que começava assim:

Avaliação
Paciente do apto: _________________________
Piso: _________________________________

Não hesitei um instante. Rabisquei aquela parte do formulário, coloquei o meu nome e pensei comigo: como eu estava certo sobre tudo o que falei para ela.

Gessé Campos Camargo é diretor de Facilities da Compass América Latina e consultor em FM na Interface Facilities Management - gesse.camargo@compass-la.com

Um comentário:

  1. É isso aí Xará,
    coisas inteligentes precisam ser espalhadas

    quem sabe se muda a mentalidade desse país

    grego

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